Estratégias para engajar famílias

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 11:55 - última modificação 07/02/2020 14:19

Conhecer a comunidade a fundo e envolvê-las no planejamento das ações da escola é o primeiro passo para aproximá-la da instituição

Pontos-chave

1. A família é identificada como a principal parceira para garantir a permanência e o desenvolvimento das crianças e adolescentes na escola. No entanto, ainda há dificuldade na relação: os responsáveis são pouco participativos e a instituição tem dificuldade em engajá-los.

2. Entre os fatores que dificultam o diálogo e a relação está o desconhecimento da identidade, da realidade sociocultural e da diversidade presente na comunidade escolar. Para reverter, seria necessário que educadores considerassem esses elementos ao planejar suas ações.

3. O estabelecimento de uma parceria ativa entre escola e comunidade exige mobilizar docentes, gestão escolar, rede de ensino e voluntariado. Cada ação e escola exigem estratégias diferentes.

4. A relação é uma via de mão dupla: enquanto a escola pode se beneficiar de a comunidade apoiando a aprendizagem, o conhecimento acumulado pela instituição de ensino e seus alunos pode atuar em prol de soluções para os problemas da comunidade.


Por Rodrigo Ratier e equipe

Dentro da escola, educadores, funcionários e alunos levam o dia a dia do ensino e da aprendizagem. Essa rotina é impactada pela bagagem que eles trazem do lado de fora. Seja na sala de aula, nos projetos que são desenvolvidos ou em eventos comemorativos, não é possível ignorar a realidade do entorno da instituição, composta por diferentes configurações familiares, condições socioeconômicas, trajetórias escolares, necessidades de aprendizagem, religiões, raças, orientações sexuais. Considerar essas características é fundamental para aproximar a escola da comunidade com a qual ela se relaciona. Essa foi uma das conclusões tiradas pelos participantes da atividade temática Escola, Família e Comunidade,  durante o primeiro encontro do Ciclo A Escola: Espaços e Tempos das Ações Docentes, da Cátedra de Educação Básica da USP.

Luís Carlos Menezes e Cláudia Sintoni coordenaram a atividade que teve como objetivo desenvolver propostas de práticas sobre a relação entre esses três elementos para promover a equidade dentro do ambiente escolar, tema apresentado na palestra que antecedeu a atividade. Durante a abertura dos trabalhos, eles destacaram que conhecer a comunidade é o ponto de partida para construir uma escola que dialogue com as necessidades e expectativas dos estudantes e suas famílias. Os ganhos de estabelecer uma boa relação entre escola e comunidade são mútuos. De um lado, a escola ganha um parceiro para apoiar a aprendizagem e desenvolver ações em conjunto. “E a escola pode colocar seu conhecimento e seus alunos para identificar os problemas da comunidade e atuar sobre eles”, exemplifica Menezes.

Há muitas oportunidades de parceria. Mas, para que elas aconteçam, é necessário aproximar comunidade e escola. “Muitas vezes, achamos que é preciso pensar em grandes projetos. Mas as soluções passam muito pelo trabalho do cotidiano”, diz Sintoni.


Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1Parte 2

Para analisar o tema em profundidade, a sala se dividiu em trios. No processo de discussão, a comunidade e, mais especificamente, a família, foi colocada como um parceiro imprescindível para o trabalho da escola. Além do apoio à aprendizagem, ela é vista como fundamental para a permanência nos estudos ao longo da educação básica. “Hoje, grande parte do fracasso escolar está atrelado à frequência. Tem aluno que falta toda semana”, diz Raquel dos Santos Ribeiro, diretora na rede municipal de Itapeva, no interior de São Paulo.

Após a discussão em pequenos grupos, eles foram convidados a se reunir para compartilhar suas impressões. Em comum, os trios identificaram a dificuldade de trazer a família para o espaço escolar. A participação dos pais e responsáveis é baixa e, geralmente, se dá em momentos formais, como festas escolares e reuniões de pais - sobre as quais os educadores reconhecem a necessidade de ressignificação, com menos foco em questões disciplinares e queixas.

Na visão dos participantes, é necessário criar estratégias para que a família esteja presente no cotidiano escolar, se sinta ouvida pela instituição e se torne atuante no processo educativo. Para isso, é preciso que a escola abandone o “olhar colonizador” de quem busca impor sua cultura e estabelecer um olhar sensível para a realidade em que a comunidade vive, reconhecendo suas características sociais, econômicas e culturais. Durante as discussões finais, os participantes pensaram em propostas para quatro níveis de atuação: docentes, gestão escolar, rede de ensino e voluntariado.

Docentes como ponte da relação

O professor costuma ser a figura mais próxima dos alunos e a referência das famílias (especialmente dos alunos menores). Por isso, eles têm um papel importante na comunicação entre a instituição e os adultos responsáveis pelos estudantes e podem ser representantes para apresentar o projeto da escola e também para identificar expectativas e demandas da comunidade.

Uma proposta de atuação seria que eles justamente buscassem ouvir e convidar as famílias para a construção do projeto do projeto político pedagógico da instituição. Aproximando, assim, a prática da necessidade da comunidade ao mapear e considerar a diversidade do público atendido pela escola. “Queremos estimulá-los para participar de reuniões, conselhos, associação de pais e mestres e outros momentos em que eles possam se sentir acolhidos e com participações decisórias dentro da escola”, diz Lígia Oliveira Almeida, professora da rede municipal de São Paulo.

Mudança de dentro pra fora

Além da dificuldade de aproximar a relação entre escola, família e comunidade, os grupos identificaram um desdobramento da questão: manter esses atores próximos. Lidar com as famílias em todas as suas diversidades exige que a escola possua uma postura acolhedora. “É preciso tomar cuidado para não ficar julgando os pais. Como alguns moram no bairro e conhecem um pouco das famílias, às vezes, são situações que podem acontecer inconscientemente”, diz Cristina Barros, supervisora na rede municipal de Taquarituba (SP).

Para evitar que a postura dificulte a manutenção do elo, os participantes propuseram um trabalho de gestão escolar para sensibilização dos funcionários ao lidar com a comunidade. A transformação desejada na relação poderia ser iniciada pela própria escola ao preparar a equipe para ela. “Precisamos quebrar aquele pensamento de que um certo aluno é daquele jeito porque vem de tal família ou porque os pais nunca aparecem na escola”, diz Flávia Bastos Almeida, da rede particular de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo.

Construção de territórios educativos

Mais do que o trabalho de uma única escola, os participantes identificaram que é possível reunir esforços entre instituições de uma mesma região para criar territórios educativos e estabelecer uma articulação em rede. O exemplo trazido pelo grupo é o do município de Itapeva (SP), que se divide em 12 territórios educativos, reunindo unidades escolares do berçário ao 9º ano do Ensino Fundamental. “Dentro desse espaço, as escolas trabalham de forma corresponsável e se auxiliam na divulgação das atividades, busca de parcerias e de fomento à aprendizagem”, diz a diretora Raquel.

A cooperação entre escolas de uma mesma rede permite a realização de diversas ações que até poderiam ser feitas individualmente, mas que, coletivamente, ganham outra proporção, estímulo e força. Um exemplo de como essa parceria pode ser estabelecida para abarcar a diversidade são as atividades no período de férias. Como a constituição das famílias varia, muitas mães trabalham no período de recesso escolar e nem sempre contam com alguém para olhar os filhos. Fazendo esse trabalho em territórios os responsáveis podem contar com uma escola que não apenas enxerga a diversidade da comunidade, mas a contempla.

Corresponsabilidade no voluntariado

Em uma perspectiva de envolver mais pessoas como parceiros da escola, uma das propostas discutidas foi mobilizar voluntários. Esse espaço de colaboração foi colocado como possível de ser ocupado não só pela família e comunidade no entorno da escola, mas também por qualquer pessoa que queira ser corresponsável pelo processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos. “A gente entende que, ao garantir espaços na escola para diálogos mais igualitários e de participação ativa, conseguimos respeitar a diversidade e promover a equidade dentro da comunidade”, explica Victor Narezi, técnico da rede municipal de Tremembé, no interior paulista. Ao articular escola e sociedade civil, os educadores acreditam que podem ampliar sua rede de apoio e trazer novos aprendizados para a comunidade.

Quem é Luís Carlos de Menezes

Doutor em física pela Universidade Regensburg, é professor sênior do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Membro do Conselho Estadual de Educação em São Paulo. Consultor da Unesco para propostas curriculares. Principais focos de trabalho em educação: currículos para a educação básica, formação de professores e ensino de ciências.

Quem é Cláudia Sintoni
Psicóloga pela Universidade de São Paulo, foi arte-educadora na Secretaria Estadual do Menor e Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor e, desde 1998, atua no desenvolvimento de projetos de voluntariado e educação em empresas e fundações.

Para que esse trabalho possa se apoiar em iniciativas que deram certo, a solução proposta foi mapear boas práticas. As ações seriam reunidas em uma publicação a fim de que as práticas sejam divulgadas e possam ser replicadas em outras redes.

Para Menezes, ao colocar a comunidade como corresponsável pela escola, se produz e fortalece uma postura cidadã. A atuação em diferentes níveis – docente, gestão escolar, rede de ensino e voluntariado – pode ajudar as instituições de ensino a superar o desafio de trazer a família para a escola e de tê-la como parceira de suas ações e sonhos. Para esta relação acontecer, no entanto, não há receita pronta. “É preciso pensar e desenvolver diferentes estratégias para cada ação, considerando a realidade em que a comunidade está inserida”, diz o coordenador da atividade temática.