O bairro: unidade urbana para cidades inteligentes e sustentáveis*
Deize Sbarai Sanches Ximenes[I]
Quando queremos dizer onde moramos, a primeira informação que fornecemos é o nome do bairro. O uso de informações digitais seria uma ferramenta valiosa para trabalhar a identificação e o potencial dos bairros e planejar cidades mais inteligentes e sustentáveis.
O bairro é configurado um território de vivência, onde as pessoas moram e se relacionam, onde vivem o dia a dia, circulam, têm relação de vizinhança e convivem com problemas concretos que afetam o cotidiano. O bairro, portanto, não é um limite administrativo, mas uma entidade cultural e antropológica (Fecomércio, 2013).
[...] existe verdadeiramente a área urbana, a cidade ou parte dela. Pressupõe uma estrutura de ruas, praças ou formas de escalas inferiores. Corresponde numa cidade aos bairros, às partes homogêneas identificáveis, e pode englobar a totalidade da vila, aldeia, ou da própria cidade (Lamas, 1993, p. 74).
O bairro, considerado a menor unidade de urbanização, não é reconhecido nem definido como unidade administrativa pelo poder público, apesar de existir como espaço das relações cotidianas e ser caracterizado, pelos seus moradores, no sentido de pertencimento da região.
O Plano Diretor Estratégico (lei nº 13.430/02) fomenta a elaboração de Planos de Desenvolvimento do Bairro na cidade a fim de fortalecer o planejamento e o controle social local e promover melhorias urbanísticas, ambientais, paisagísticas e habitacionais por meio de ações, investimentos e intervenções previamente programadas. Estes planos consolidam um sistema de planejamento e desenvolvimento democrático, garantindo para a comunidade um espaço permanente e contínuo de participação nas decisões estratégicas da cidade a médio e longo prazo. Estabelece que “as áreas de abrangência dos Planos de Bairro deverão ser definidas a partir das identidades comuns em relação aos aspectos socioeconômicos, culturais e religiosos reconhecidos pelos seus moradores e usuários”, e devem ser compatíveis com a divisão administrativa dos distritos e dos setores censitários.
A elaboração dos Planos de Bairros precisa alinhar infraestrutura, equipamentos urbanos, sistema viário, espaços públicos e áreas verdes, segurança e habitação, entre outras informações que possam contribuir para a qualidade de vida da comunidade.
A partir das legislações vigentes que determinam a configuração de novos planos de bairros, é necessário que sejam definidos seus limites administrativos.
De acordo com Cândido Malta Filho (2003), deve-se retomar o conceito de unidade de vizinhança para reinventar o bairro. É preciso repensá-lo para criar “unidades ambientais de moradia”, nome adotado por Malta para a unidade de vizinhança, onde o distrito é dividido em partes menores, respeitando os contornos geográficos e as características peculiares de cada região.
Assim, entende-se que o limite do bairro não pode ser demarcado por uma simples necessidade administrativa, mas sim pautado por uma realidade afetiva da comunidade com o local.
Atualmente, temos a divisão territorial dos bairros desenvolvida pelo google maps, um serviço gratuito de pesquisa e visualização de mapas e imagens de satélite da Terra oferecido pelo Google, que trabalha com dados fornecidos pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (a demarcação usa como ponto de partida o código de endereçamento postal). No entanto, não dispõe de metadados, ortofotos, imagens de satélites ou cruzamento de informações, impossibilitando a elaboração de planos e programas de desenvolvimento local.
Os limites administrativos do município de São Paulo estão disponíveis no Geosampa, em distritos e subprefeituras, o que nos coloca algumas inquietações de como trabalhar Planos de Desenvolvimento dos Bairros sem seu traçado.
O Geosampa é uma ferramenta de infraestrutura de dados espaciais do Município de São Paulo que tem como objetivo compartilhar e disponibilizar dados geográficos assim como mapas históricos, arquivos de ortofotos, imagens de satélite e fotografias aéreas de forma aberta, permitindo ao cidadão o acesso aos mapas da cidade.
Seu desenvolvimento foi aprovado pelo programa de metas orçamentárias em 2013, levando-se em conta a necessidade de compartilhamento das informações da gestão urbana do município de São Paulo. Desenvolvida pela Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo (Pprodam) com software livre, a plataforma contou com a coordenação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento (SMDU) e recebeu auxílio financeiro do BNDS.
Nos últimos anos, o número de acessos à plataforma cresceu mais de 120%, passando de 31.949, em dezembro de 2015, a 70.812, em novembro de 2016. O número de temas disponíveis também se multiplicou. Saltou de 150 para 182, o que corresponde a um acréscimo de informações detalhadas e georreferenciadas sobre a cidade de São Paulo, como localização de semáforos e pontos de iluminação pública, croquis patrimoniais, dados sobre a população, equipamentos públicos e concessão da outorga onerosa do direito de construir (SMDU, 2017).
A ferramenta tem um complexo sistema de dados – sobre transporte público, equipamentos urbanos, habitação e sistema viário, entre outros, que, juntos, possibilitam o acesso e o cruzamento de importantes informações para implementação de programas e planos de desenvolvimento socioeconômico para o município de São Paulo com foco na redução da desigualdade social. A visualização do meio físico também é privilegiada. O detalhamento da hidrografia, da topografia e de recursos naturais (parques e unidades de conservação) permite a elaboração de planos de conservação em resposta à evolução das manchas de ocupações irregulares. Outro fator de grande importância é a redução de prazos para a conclusão de processos administrativos, dada a facilidade de acesso às informações em um sistema único e simplificado.
A atualização do Geosampa é realizada, em sua maior parte, de forma sincronizada com a atualização de dados das empresas e concessionárias fornecedoras, o que fortalece a inserção de novos itens com certa frequência e auxilia o usuário com informações recentes e precisas, enquanto o restante da base é renovado manualmente.
A disponibilidade de dados e a transparência das informações, disponíveis para consulta e download sem restrições de licenças ou mecanismos de controle, são dois dos principais fatores positivos da ferramenta, pois possibilitam a visualização por parte da população de históricos importantes, como o cadastro imobiliário fiscal completo relativo ao IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) da cidade. Hoje, temos mais de 3 milhões de registros e 120 Mb de informações sobre os imóveis de São Paulo disponíveis para download em formato aberto (SMDU, 2017).
A abertura de dados para a sociedade em geral (população, empresas, outros órgãos públicos) é destacada como uma evolução na disponibilidade de informações da cidade. Entretanto, a ferramenta não oferece a possibilidade de uma maior participação dos usuários no preenchimento dessas bases de dados, o que seria extremamente relevante para um processo mais participativo e autônomo.
Nesse sentido, o Geosampa mostra-se uma ferramenta que acompanhou o desenvolvimento da tecnologia e da informação, facilitando a transformação de diversas fontes de dados de concessionárias, órgãos públicos e privados para a leitura digital, uma necessidade que hoje se coloca em nível mundial, mas não oferece a definição dos limites geográficos e administrativos da menor escala urbana com identidade cultural - o bairro.
A complexidade histórica e afetiva que está enraizada em cada um desses bairros, até hoje não foram efetivamente locadas na malha urbana. Essa falta de dados consistentes para a realização de uma leitura urbana mais aprofundada, enfraquece a proposição de diretrizes sustentáveis e a construção de cidades mais resilientes.
A definição dos limites administrativos dos bairros dependerá, portanto, de ações conjuntas de órgãos públicos, entidades privadas e comunidade locais interessadas, usando como base estudos e levantamentos relacionados às relações afetivas, culturais, geográficas e históricas do local. Este cenário nos conduz a uma reflexão final: como identificar os limites dos bairros de forma dinâmica e eficaz para serem inseridos no Geosampa e como utilizar estas informações no desenvolvimento dos Planos de Bairro e de cidades inteligentes e sustentáveis?
Referências
CAZOLLATO, José Donizete. Os bairros como instância territorial local - contribuição metodológica para o caso de São Paulo. Dissertação de mestrado apresentada para a FFLCHUSP, São Paulo, SP, 2005.
FECOMERCIO, Plano de Desenvolvimento do Bairro: Uma Metodologia Participativa. São Paulo, SP, 2013.
FILHO, Candido Malta Campos. Reinvente seu Bairro: Caminhos para Participar do Planejamento de sua Cidade. São Paulo. Editora 34, 2003.
LAMAS, J. R. G.. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1993.
LEFEBVRE, H.. Barrio y vida de barrio. In: ______. De lo rural a lo urbano. 3. ed. Barcelona: Ediciones Península, 1975, p. 195-203.
LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001. – Estatuto da Cidade – Brasil – Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm – acessado em junho 2014.
Ministério das Cidades. Plano Diretorarticipativo. Brasília: Secretaria Nacional de Programas Urbanos, 2005. Disponível em http://www.cidades.gov.br/index.php/planejamento-urbano.html – acessado em outubro 2014.
Prefeitura da Cidade de São Paulo. Lei 16.050/14 – Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. Disponível em http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/legislacao/plano_diretor/index.php – acessado em agosto de 2014
[*] Reflexão sobre o 1º Simpósio Geosampa, Usos, Limites e Potenciais realizado pelo Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP.
[I] Pós-doutoranda do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP - sob a supervisão de Maria de Assunção Ribeiro Franco - e professor do curso de arquitetura e urbanismo da Unip.