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Microplásticos: um macroproblema ainda pouco visível?

por admin - publicado 05/11/2019 11:35 - última modificação 27/05/2024 14:08

Por Luís Fernando Amato-Lourenço, com supervisão de Thais Mauad

Luís Fernando Amato-Lourenço

Os plásticos (materiais poliméricos sintéticos) são extensamente utilizados pela sociedade fornecendo uma gama diversificada de produtos leves, duráveis, resistentes à corrosão e de baixo custo. Esta versatilidade resultou no aumento expressivo de sua produção em grande escala alcançando mundialmente 335 milhões de toneladas no ano de 2016[1]. A alta produtividade aliada a padrões de consumo exacerbados, que priorizam a utilização de plásticos descartáveis, combinados com as presentes práticas de gerenciamento e disposição de resíduos sólidos urbanos resultaram no aumento das concentrações deste material em diferentes matrizes ambientais, sendo ubiquamente encontrado em todo o planeta.

Uma vez no meio ambiente, quando expostos à contínuos processos como intemperismo químico, foto-oxidação, decomposição biológica ou forças físicas, ocorre a redução da sua integridade estrutural resultando em sua fragmentação.  Ao desagregamento em partículas com diâmetro menor que 5 mm foi adotado o termo microplástico (MP). Partículas cujo diâmetro seja inferior à 1 µm é empregada a nomenclatura nanoplástico (NP). Os MPs foram descritos pela primeira vez por Thompson et al. (2004)[2] que relataram a ocorrência de fragmentos em torno de 50 µm de diâmetro em sedimentos, margens e coluna de água marinha.

Os MPs possuem propriedades diversas e heterogêneas como composição química, diâmetro, forma, densidade específica e cor.  Os plásticos são concebidos, em muitos casos, para ter um longo tempo de vida. No seu processo produtivo é incorporado ao polímero básico uma mistura complexa de aditivos e estabilizadores, que desempenham papeis distintos no aprimoramento das suas propriedades funcionais. Estas características constituem fatores-chave para a sua distribuição no ambiente e biodisponibilidade para os organismos.

Devido à sua superfície hidrofóbica, os MPs possuem a capacidade de sorção e concentração de contaminantes orgânicos hidrofóbicos, como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, dioxinas, surfactantes perfluorados, éteres difenílicos polibromados, pesticidas organoclorados e bifenilas policloradas em alto grau. Além disso, pode também ocorrer a sorção de elementos químicos como cádmio, zinco, níquel e chumbo. A exposição dos MPs à diferentes condições ambientais possibilita a formação de um biofilme colonizado por microrganismos. A formação do biofilme pode alterar significativamente as propriedades físicas dos MPs, como tamanho e densidade.

Estudos têm demonstrado que os MPs podem interagir com uma ampla variedade de organismos marinhos, devido ao seu tamanho, ocasionando obstruções, inflamações e acumulo em órgãos após translocação. Além disso, são vetores de compostos químicos e microrganismos patogênicos nestes animais. Entretanto, poucos trabalhos investigaram os impactos dos MPs em populações de animais, comunidades e ecossistemas em ambiente terrestre. Recentemente, foi demonstrado que diferentes níveis de exposição à MPs induzem a inflamação, fibrose e congestão na parede intestinal de minhocas (Eisenia andrei Bouché) e que o lodo gerado nas estações de tratamento de água e esgoto pode conter grande quantidade de MPs - constituindo fonte potencial destas partículas em solos agrícola. Entretanto, grande parte destes estudos toxicológicos utilizaram MPs virgens, não representando com exatidão o potencial de dano que possa existir nas partículas originadas e expostas às diversas condições ambientais. Os MPs ambientais[3] podem apresentar forma irregular, amplas distribuições de tamanho e uma variedade de propriedades de superfície, em função do seu ciclo de vida (modificações mecânicas (erosão, abrasão), químicas (foto-oxidação, hidrólise) e biológicas (degradação por microrganismos)). Assim, as propriedades físicas e químicas dos MPs ambientais são diferentes das microesferas primárias frequentemente usadas para testes de ecotoxicidade de laboratório.

Informações sobre a distribuição, forma e tamanho dos MPs no compartimento atmosférico ainda são fragmentárias. Diversas fontes podem contribuir com a emissão de MPs pelo ar, incluindo o uso de tecidos sintéticos, erosão de pneus automotivos, objetos domésticos, impressoras 3D, incineração de resíduos, aterros sanitários e a presença de fragmentos de polímeros na poeira urbana. Porém, ainda não há relatos sobre a contribuição de cada fonte emissora. Poucas investigações caracterizaram a presença de MPs no ar. Um estudo realizado na região de Grande Paris detectou a presença de fibras sintéticas na atmosfera relatando a deposição de 29-280 partículas m -2 dia -1 ou entre 3,5-7,6 x 10 10 MPs por ano na região de estudo [4].

O potencial de absorção pelo tecido pulmonar e os efeitos subsequentes são amplamente desconhecidos. Portanto, não é claro até que ponto a exposição a MPs no ar é uma ameaça à saúde pública. Há apenas um relato de fibras poliméricas encontradas no tecido pulmonar humano publicado em 1998[5]. Neste estudo, fibras poliméricas e celulósicas foram encontradas em 97% das amostras malignas de pulmão e em 83% dos pulmões não neoplásicos. As fibras analisadas apresentaram poucos sinais de deterioração, o que pode indicar sua biorresistência e biopersistência pulmonar.

Em função da distribuição ubíqua dos plásticos e dos crescentes níveis encontrados em diferentes matrizes ambientais em diversas regiões do planeta, os MPs estão entre os problemas ambientais mais proeminentes enfrentados pelas agências governamentais em todo o mundo. Neste sentido, há grande urgência na realização de estudos de natureza exploratória que forneçam informações sobre as possíveis ameaças à saúde e os mecanismos biológicos que possam estar envolvidos quando os seres humanos são expostos aos MPs, seja por via oral ou por inalatória.


[I] Pós-doutorando do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP, sob a supervisão de Thaís Mauad.
(1) Bergmann M, Gutow L, Klages M. Marine Anthropogenic Litter. Alemanha: Springer International; 2015. 447 p. Marine Anthropogenic Litter.
(2) Thompson RC, Olsen Y, Mitchell RP, Davis A, Rowland SJ, John AWG, et al. Lost at sea: where is all the plastic? Science. 2004 May 7;304(5672):838.
[3] O termo "microplástico ambiental" refere-se à ocorrência destas partículas no meio ambiente cobrindo a sua ampla variedade de fontes, formas, tamanhos, composição química e biológica.
[4] Dris R, Gasperi J, Rocher V, Saad M, Renault N, Tassin B. Microplastic contamination in an urban area: a case study in Greater Paris. Environ Chem. 2015;12(5):592.
[5] Pauly JL, Stegmeier SJ, Allaart HA, Cheney RT, Zhang PJ, Mayer AG, et al. Inhaled cellulosic and plastic fibers found in human lung tissue. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 1998 May;7(5):419–428.