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O papel das instituições de ensino superior no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

por Fernanda Rezende - publicado 26/02/2021 16:35 - última modificação 26/02/2021 16:35

por Sandra Dalila Corbari, Alejandro Dorado, Cláudia Terezinha Kniess, Lúcio Freitas

por Sandra Dalila Corbari, Alejandro Dorado, Cláudia Terezinha Kniess, Lúcio Freitas, do IEA/USP Cidades Globais GPesq-3

 

O conceito de desenvolvimento que surge com a “doutrina Truman” e que foi remetido ao economista estadunidense Walt Whitman Rostow, na década de 1970 (ROSTOW, 1971; ESCOBAR, 2014), traz uma visão pautada em uma lógica etapista, voltada para o discurso do progresso (DIEGUES, 1992; DUPAS, 2007). Esse discurso vem sendo historicamente tratado sob a ótica reducionista e economicista, promulgando que sociedades podem progredir indefinidamente para alcançar padrões mais elevados de riqueza material (DIEGUES, 1992).

Se consolidou a visão de desenvolvimento como uma evolução linear, de caráter essencialmente econômico, com base na apropriação dos recursos naturais e guiado por versões de eficiência e rentabilidade econômica (ESCOBAR, 2014; GUDYNAS, 2012). Esse processo vem gerando graves problemas sociais, como exclusão social, concentração de renda, agressão aos direitos humanos essenciais, entre diversos outros fatores decorrentes, incluindo o denominado “subdesenvolvimento” (DUPAS, 2007), ao qual diversos países e regiões estariam submetidos. Ademais, o modelo hegemônico de desenvolvimento tem como uma de suas principais mazelas os danos ambientais, que se expressa por meio das mudanças climáticas, da perda da biodiversidade, das mudanças nos padrões de uso e cobertura do solo, da contaminação dos recursos hídricos e, nos últimos anos, se evidencia com as epidemias e pandemias, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) e o Novo Coronavírus (COVID-19).

No entanto, a racionalidade que rege a economia mundial de acumulação do capital, não considera (ou não contabiliza como custo de produção) os problemas ambientais e sociais decorrentes, gerando uma crise socioambiental. Em realidade, essa crise é uma expressão de uma mais ampla: uma “crise civilizatória” (FERNANDES; SAMPAIO, 2008), que repousou suas bases de orientação na ciência moderna, de cunho ultraespecializado, produzindo soluções parciais.

A sociedade contemporânea, presa a uma visão tecnocrática e reducionista do meio ambiente, vem tratando os recursos naturais apenas como fonte de matéria-prima e depósito de resíduos. Portanto, as agressões ao meio ambiente inerentes ao referido modelo societário, se constituem na atualidade, uma crise civilizatória que coloca em risco a sustentação da vida no planeta (LEFF, 2006).

Essa crise tem origem na concepção em que "o homem moderno não consegue conceber o desenvolvimento e a modernização em termos de redução senão como crescimento e consumo de energia, e de toda ordem de coisas, associando o grau de cultura ao alto consumo" conforme ressaltam Fernandes e Sampaio (2008, p. 18). Estes pesquisadores entendem que esta crise ambiental é provavelmente a maior expressão da época que se vivencia, que é fundada em uma "crise de valores, conceitos e projetos" (p. 88), a qual o paradigma atual não dá conta de solucionar. Ademais, o desenvolvimento hegemônico se produziu enquanto um desenvolvimento desigual .

As cidades refletem essas desigualdades e problemáticas da modernidade. Em 2015, aproximadamente 54% da população mundial habitava zonas urbanas e a projeção para 2050 é que esse número se eleve para 68,4% da população (UN, 2015). Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), no Brasil, 84,7% da população habitava cidades em 2015 (BRASIL, 2015), sendo projetado um aumento de 7,7% para 2050 (UN, 2015).

E não é somente o crescimento da população e das cidades, mas também destas enquanto centros consumidores. Nesse aspecto, o crescimento econômico - que gera pressão sobre o meio ambiente - é inserido na ideia de superação da pobreza.

Nesse debate, vale mencionar que os cidadãos dos países ditos desenvolvidos, com os Estados Unidos, consomem e poluem em um nível dezenas de vezes mais elevado que o dos cidadãos de países em desenvolvimento ou os chamados “subdesenvolvidos”. Assimetrias essas que também são percebidas em outras escalas geográficas. Contudo, há uma distribuição desigual dos riscos ambientais. No âmbito das cidades, Acselrad, Mello e Bezerra (2009) destacam que, na produção socioespacial, há uma relação direta entre vulnerabilidade social e exposição a riscos ambientais, além de carência ou precariedade de serviços básicos e infraestrutura urbana.

A elevada população contribui para a pressão sobre os bens naturais, transformados em recursos e, concomitantemente, essas populações padecem de carência de serviços ecossistêmicos, como acesso à água e ar puro. Essa concentração populacional, juntamente às demandas oriundas do modelo de desenvolvimento hegemônico - que têm nas metrópoles os pólos de demanda de processos econômicos - afetam as dinâmicas ecológicas do planeta (ACSELRAD, 2006).

Nesse contexto, a ideia de capital natural - que se baseia no valor dos recursos naturais em relação a um produto ou serviço (CEBDS, 2017) - toma maior importância, tendo papel fundamental na articulação de uma nova forma de entender a economia (GÓMEZ-BAGGETHUN; GROOT, 2007). Costanza e Daly (1992) já afirmavam que a condição mínima necessária para a sustentabilidade é a manutenção ou aumento do estoque total de capital natural (Figura 1).

Ocorre que, a conservação da natureza não se dá unicamente em decorrência de uma responsabilidade com gerações futuras, tampouco como uma forma de consumo, mas sim porque os ecossistemas e os serviços prestados foram reconhecidos como base da subsistência [e existência] humana (GÓMEZ-BAGGETHUN; GROOT, 2007).

Frente a essa conjuntura, várias alternativas vêm sendo delineadas no nível global, tendo como um de seus mais conhecidos resultados a Agenda 2030, proposta na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015 e que traz ações para os próximos 10 anos, na busca de um mundo sustentável e resiliente (UNSDSN, 2017).

Figura 1: Componentes do Capital Natural

Componentes do Capital Natural

Fonte: CEBDS (2017)

Essa Agenda propõe ações coordenadas entre governos, empresas, academia e sociedade civil para o alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas. Os ODS foram desenvolvidos a partir do legado dos Objetivos do Milênio (ODM) - que havia colocado o combate à extrema pobreza como prioridade na agenda internacional de desenvolvimento. Na ocasião da Cúpula supracitada, líderes de todo o mundo se comprometeram com os objetivos: (1) Erradicação da pobreza; (2) Fome zero e agricultura sustentável; (3) Saúde e bem-estar; (4) Educação de qualidade; (5) Igualdade de gênero; (6) Água potável e saneamento; (7) Energia limpa e acessível; (8) Trabalho decente e crescimento econômico; (9) Indústria, inovação e infraestrutura; (10) Redução das desigualdades; (11) Cidades e comunidades sustentáveis; (12) Consumo e produção responsáveis; (13) Ação contra a mudança global do clima; (14) Vida na água; (15) Vida terrestre; (16) Paz, justiça e instituições eficazes; (17) Parcerias e meios de implementação.

Os esforços para o alcance dos ODS se capilarizam por todos os extratos da sociedade. Nas instituições de ensino superior, há esforços para sua aplicação, mas, sobretudo, discute-se como as universidades e a ciência podem contribuir para o alcance dos ODS, dada a responsabilidade social. Há uma expectativa cada vez maior de que as pesquisas (e a educação) contribuam para resolver desafios iminentes e urgentes e a ciência, potencialmente, tem o condão de oferecer soluções para os problemas originados nas aspirações sociais, como é o caso da atual pandemia de COVID-19 (BUCKERIDGE; PHILIPPI JR., 2020).

O papel das universidades na implementação dos ODS vai além de uma governança institucional, aplicando os ODS internamente. As universidades se colocam como importante fonte de conhecimento e de experimentação, na qual a interação pode contribuir para a produção e divulgação do conhecimento como base para a ação. O documento intitulado “Getting started with the SDGs in Universities: a guide for universities higher education institutions, and the academic sector” (KESTIN et al., 2017) aponta que a atuação dessas instituições deve ser na área de aprendizagem e ensino, proporcionando aos alunos conhecimento, habilidades e motivação para compreender e abordar os ODS, dentro de um contexto de “educação para o desenvolvimento sustentável” (ODS 4); além de possibilitar uma educação acessível e inclusiva para todos, no qual se enquadram as cotas sociais e raciais; o empoderamento e mobilização de jovens, entre diversas outras ações.

Além disso, deve haver um esforço no âmbito da pesquisa, fornecendo o conhecimento, evidências científicas, soluções e tecnologias que possibilitem a visualização de caminhos possíveis para a implementação dos ODS. Inclui-se, aqui, as parcerias interinstitucionais e em diversas escalas geográficas.

Por fim, essas instituições têm papel proeminente na liderança externa, no engajamento público e participação nas tomadas de decisão em relação aos ODS, facilitando o diálogo e ações intersetoriais e ajudando a projetar políticas públicas baseadas nos ODS. Tendo atuação local enquanto são orientadas globalmente, as universidades tornam-se protagonistas na modificação da realidade citadina. Cabe ressaltar que, no Brasil, a ciência é praticada, principalmente, nas universidades públicas, conforme destaca o relatório preparado pelo grupo Web of Science (WEB OF SCIENCE GROUP, 2019) que expôs que 15 universidades produziram cerca de 60% da ciência brasileira entre 2013 e 2018. Ademais, 81% das publicações conjuntas entre universidade e indústria no período de 2015 a 2017 foram colaborações entre universidades públicas e a indústria. Não obstante, de acordo com o censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2018, o Brasil tinha 299 instituições de ensino superior públicas e 2.238 privadas, o que representa 86,64% da rede.

Buckeridge e Philippi Jr. (2020), destacam que, no caso da pandemia de Covid-19, parte da comunidade científica, incluindo agências financiadoras, se movimentou rapidamente na busca por respostas e soluções. Para esses pesquisadores, este caso evidencia o valor das instituições científicas brasileiras e o mérito de um histórico de desenvolvimento da ciência nacional nos últimos 40 anos. Sobre a pandemia, essa situação ilustra, também, como os ODS trazem elementos que podem favorecer o controle e a prevenção de doenças e crises de saúde pública.

Um exemplo da atuação das universidades no contexto nacional é o ranking do Times Higher Education (THE, 2020), que elencou, por meio de autodeclarações, as universidades melhor classificadas quanto ao desempenho em relação à implementação dos ODS.

Apenas duas universidades brasileiras constam entre as 100 melhores classificadas no ranking geral - a Universidade de São Paulo (USP), em 14ª posição e a Universidade Estadual de Londrina (UEL), na 81ª posição. No entanto, o protagonismo brasileiro se apresenta em todos os ODS. Doze universidades brasileiras figuram entre as 100 melhores colocadas no que se refere à atuação com o ODS 2 - Fome zero e agricultura sustentável. No caso do ODS 1 - Erradicação da pobreza, foram 7 instituições brasileiras no ranking. Outro exemplo do esforço das universidades é que, no que se refere aos ODS 1 - Erradicação da pobreza - e 7 - Energia limpa e acessível, a USP é a 3ª universidade do ranking. No caso do ODS 4, a Unesp ocupa a quinta posição. E no ranking do ODS 5 - a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) é a sétima melhor posicionada (THE, 2020).

Diante desse panorama, ressalta-se o papel das instituições de ensino superior no alcance dos ODS em um momento fulcral, quando o mundo vivencia efeitos severos decorrentes da relação entre os homens através da natureza, culminando, inclusive, em uma das maiores crises de saúde pública da história. Com efeito, o período pré-eleitoral é oportuno para a introdução de itens nas agendas dos tomadores de decisão.

 

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, H. As cidades e as apropriações sociais das mudanças climáticas. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, n. 1, p. 77-106, 2006.

ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. de A.; BEZERRA, G. das N. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Brasília: IBGE, 2015. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9127-pesquisa-nacional-por-amostra- de-domicilios.html?=&t=destaques>. Acesso em: 19 set. 2020.

BUCKERIDGE, M. S.; PHILIPPI JR., A. Ciência e políticas públicas nas cidades: revelações da pandemia da Covid-19. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, 2020.

CONSELHO EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (CEBDS). O que é capital natural? 20 jun. 2017. Disponível em: <https://cebds.org/o-que-e-capital-natural/#.X2D2c9R7lhE>. Acesso em: 23 set. 2020.

COSTANZA, R.; DALY, H. E. Natural Capital and Sustainable Development. Conservation Biology, v. 6, n. 1, p. 37-46, mar. 1992. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/2385849>. Acesso em: 23 set. 2020.

DIEGUES, A. C. Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis: da crítica dos modelos aos novos paradigmas. São Paulo em Perspectiva, v. 6, n. 1-2, p.22-29, jan- jun/1992.

DUPAS, G. O mito do progresso. Novos Estudos, n.77, p. 73-89, mar. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/nec/n77/a05n77.pdf>. Acesso em: 04 set. 2020.

ESCOBAR, A. La invención del desarrollo. 2 Ed. Popayán (COL): Universidad del Cauca, 2014.

FERNANDES, V.; SAMPAIO, C. A. C. Problemática ambiental ou problemática socioambiental? A natureza da relação sociedade meio ambiente. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, v. 18, p. 87-94, 2008.

GÓMEZ-BAGGETHUN, E.; GROOT, R. de. Capital natural y funciones de los ecosistemas: explorando las bases ecológicas de la economía. Ecosistemas, v. 16, n. 3, p. 4-14, set. 2007.

GUDYNAS, E. Debates sobre el desarrollo y sus alternativas en latinoamérica: Una breve guía heterodoxa. In: LANG, M.; MOKRANI, D. (Org.). Más Allá del Desarrollo - Grupo Permanente de Trabajo sobre Alternativas al Desarrollo. Cidade do México (MEX): Fundação Rosa Luxemburg/Abya Yala, set. 2012, p. 21-54.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Resumo Técnico do Censo da Educação Superior 2018. Brasília: INEP, 2020.

KESTIN, T.; VAN DEN BELT, M.; DENBY, L.; ROSS, K.; THWAITES, J.; HAWKES, M. Getting started with the SDGs in universities. Australia, New Zealand and Pacific Edition. Australia/Pacific, Melbourne: Sustainable Development Solutions Network, 2017.

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WEB OF SCIENCE GROUP. A pesquisa no Brasil: promovendo a excelência. Clarivates Analytics/Web of Science Group, 2019.