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Acompanhamento de Políticas Públicas para as Cidades

por admin - publicado 15/08/2024 12:30 - última modificação 15/08/2024 12:29

Autor: José Luiz Portella

José Luiz Portella[I]

2 de agosto de 2024

Planos Diretores, Planos de Metas e outros projetos direcionados à melhoria de vida da população nas cidades, sobretudo nas grandes metrópoles, têm fracassado mais pela elaboração deficiente do que por carência de recursos financeiros vindos do orçamento.

O senso comum imagina que a falta de recursos é a principal causa da ausência de benefícios que deveriam ser suscitados pelas políticas públicas. O acompanhamento de tais projetos revela mais desperdício dos recursos do que a ausência.

Quais os principais obstáculos?

Falta de planejamento adequado, escassez de articulação política do Poder Executivo com o Legislativo, Judiciário e Tribunais de Contas. Implantação atabalhoada, sem elementos básicos como projetos- executivos, responsável por 38% das 14.000 “obras paradas” detectadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) após a incrementação do Programa de Aceleração do Crescimento.

Por fim, não há medição do impacto social das políticas públicas. Que permitiria a correção de equívocos, a manutenção dos acertos e o aprimoramento de medidas. O Brasil despreza a avaliação, o controle, a disciplina de implantação.

O produto desses vícios provoca desperdícios imensos. O pior desperdício é a obra ou serviço que não se concretiza. E, resta inconclusa. Dinheiro aplicado, sem retorno.

As políticas públicas nascem da detecção de algum problema que impede a sociedade de usufruir qualidade de vida melhor, considerando os recursos disponíveis. Elas se sucedem para implementar uma nova ação benéfica ou corrigir ações em curso. Este é o processo da “decisão de planejar”, o diagnóstico dos entraves. As soluções podem emergir por intermédio da eliminação dos pontos de estrangulamento, políticas existentes que são insuficientes nos resultados que precisariam propiciar; ou na promoção dos “pontos de germinação”, ações novas, com potencial de acarretarem mais desenvolvimento econômico e social.

Os passos seguintes são:

  1. Formulação do Planejamento.
  2. Articulação para a Implantação.
  3. Implantação, com acompanhamento que estabelece correções de desvios durante o processo.
  4. Medição do Impacto na Sociedade.

Recomenda-se a utilização do Ciclo de Deming, conhecido também como P-D-C-A, na sigla em inglês (Plan-Do-Check-Action), em tradução livre (Planeje-Execute-Confira-Atue). O P-D-C-A é um método para gerenciamento de processos ou sistemas.

O Ciclo de Deming(P-D-C-A) é o caminho para o atingimento das metas dos projetos de políticas. Segue o encadeamento: estabelecer metas, determinar os métodos para o alcance da metas, educação e treinamento da equipe do projeto, execução do plano de trabalho, verificação dos efeitos das ações executadas durante a implantação, atuação no processo em função dos resultados.

Os planos para as cidades, majoritariamente, apresentam incongruências em todas as etapas. O imediatismo e a ansiedade são marcas constantes, reiterando a preponderância do desejo de apresentar soluções sem o devido compromisso com a entrega do resultado. O que ilustramos como o desiderato de aparecer na “foto da largada”, no lançamento, e considerar que o anúncio singelo é suficiente, ao invés da “difícil implantação”.

Uma das recomendações é se esgotar o processo de planejamento com precisão, detalhamento, acurácia, sem afobação, para depois haver implantação mais rápida, pois houve a previsão dos melhores caminhos, com a redução ou eliminação dos obstáculos previamente detectados.

Embora políticas públicas possam ter origem na sociedade por meio dos projetos de iniciativa popular, como foram as leis Daniella Perez, Combate à compra de votos, Ficha Limpa, isso é raro em proporção.

Preconizamos sistema mais eficaz de inserção da sociedade, não só na proposição, como também na elaboração. Este tema, a inserção da sociedade é muito bem desenvolvida pelo sociólogo Peter Evans com a teoria da Autonomia Inserida (Embedded Autonomy) que foi aprimorada pelo autor, tratando da participação da sociedade nas políticas públicas. Com paradigmas pesquisados em vários países.

O melhor exemplo no Brasil foi o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, também conhecido como Programa de Metas notabilizado pelo slogan “50 anos em 5”, com dois fatores novos fundamentais: a administração paralela, que cuidava da relação com o Congresso e representação política;  e os grupos executivos, que tratavam da inserção da sociedade.

Três propostas sintetizam este trabalho:

  1. Elaboração sistêmica e tecnicamente disciplinada do processo completo de formulação e implantação.
  2. Medição do Impacto Social, ou seja, proceder a mensuração da política confrontando o propósito inicial com as consequências reais.
  3. Inserção da sociedade no processo tanto pelos representantes políticos como pelo público-alvo envolvido.

Como melhor referência, mesmo com as externalidades causadas como a inflação, o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, pela forma como foi elaborado, a eficácia na conquista dos resultados, as inovações na introdução da “administração paralela”, como forma de gestão; e o modo de negociação do orçamento com o Congresso, a permitir a garantia do financiamento do Plano.

O desafio maior é transformar a atitude dos entes públicos, por intermédio dos respectivos protagonistas no sentido de compromisso com as técnicas de planejamento, com a disciplina de implantação, o empenho em alcançar os resultados e a cultura da avaliação, medir o impacto dos projetos na sociedade para correção e manutenção dos pontos positivos.

Encontrar a forma de inserir a sociedade nas políticas públicas de modo mais concreto é um grande caminho.

Referências

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ODS relacionados

  • 1 - Erradicação da Pobreza
  • 6 - Água Potável
  • 9 - Indústria, Inovação e Infraestrutura
  • 10 - Redução das Desigualdades
  • 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis
  • 17 - Parcerias e Meios de Implementação


[I] - Pós-doutorando do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP; pós-doutorando do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP.