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Revisitando conceito e princípios de ordenamento territorial na realidade brasileira

por admin - publicado 21/08/2019 11:20 - última modificação 27/05/2024 13:29

Autores: Sonia Maria Viggiani Coutinho[I], Maria da Penha Vasconcellos[II], Amanda Silveira Carbone[III], Cesar Pedrosa Soares[IV] e Djonathan Gomes Ribeiro[V]; supervisão de Arlindo Philippi Jr.[VI]

Sonia Maria Viggiani Coutinho[I], Maria da Penha Vasconcellos[II], Amanda Silveira Carbone[III], Cesar Pedrosa Soares[IV] e Djonathan Gomes Ribeiro[V]; supervisão de Arlindo Philippi Jr.[VI]

O desenvolvimento de políticas voltadas às questões ambientais no Brasil ocorreu com a participação de um significativo ativismo de grupos ambientalistas, planejadores, acadêmicos e gestores ambientais, e por uma geração que considerou a preservação e a conservação ambiental como um direito à vida. O conjunto destas ações políticas e sociais possibilitou uma estrutura política, normativa e administrativa ambiental robusta até o presente momento.

Tem-se no nível nacional políticas públicas voltadas para a conservação, para o uso sustentável e para a repartição de benefícios da biodiversidade nos seis biomas brasileiros que englobam: o Estatuto do Índio (Lei Federal nº 6.001/1973); o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei Federal nº 9.985/2000); o Plano Nacional Estratégico sobre Áreas Protegidas – PNAP (Decreto Federal nº 5.758/2006); a Lei da Mata Atlântica (Lei Federal nº 11.428/2006 e Decreto Federal nº 6.660/2008); a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei Federal nº 12.651/2012); e o Programa Nacional de Monitoramento dos Biomas Brasileiros (PMABB).

Considerando os compromissos assumidos pelo governo brasileiro ao assinar a Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, em 1992, durante a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a Rio-92, foi instituído , em 2006, o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – PNAP, englobando o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, as terras indígenas e as terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas.

Com o Decreto Federal nº 5.092/2004 e com a Portaria MMA nº 126/2004 foram definidas regras para identificação de áreas prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade, reconhecendo 900 “Áreas Prioritárias para a Biodiversidade”. Em 2006, houve a revisão dessas áreas, resultando na Portaria MMA nº. 09/2007 e no livro Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira: atualização – Portaria MMA nº 09/2007, que vêm orientando propostas de novas Unidades de Conservação (UC) e de projetos, tais como o Projeto de Áreas Protegidas na Amazônia (Projeto ARPA), o Projeto GEF Caatinga, o Projeto GEF Cerrado e o Projeto Corredores Ecológicos.

Há também a delimitação das Reservas da Biosfera, que foram criadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco com a finalidade de servirem como pesquisa cooperativa à conservação do patrimônio natural e cultural e à promoção do desenvolvimento sustentável.

Como característica, o território brasileiro é predominantemente rural, apresentando 3.363 municípios, ou 60,3% dos municípios, classificados como “Rural Adjacente” ou “Rural Remoto”. E, em relação ao tamanho da população, o Brasil possui 3.808 municípios, ou 68,3% dos municípios, com até 20 mil habitantes.

Embora as vocações de conservação do território sejam conhecidas e mapeadas, indicando os locais nos quais as atividades produtivas devam ser compatíveis com a conservação, com o uso sustentável e com a repartição de benefícios da biodiversidade, a lógica das atividades produtivas é outra, criando desigualdades no território.

No Brasil, há historicamente diferenças econômicas regionais importantes devidas ao crescimento de regiões com vistas à exportação e com pouca integração ou existência de um mercado interno. Há, por exemplo, concentração econômica no Centro-Sul do país e grande dependência do Norte e Nordeste em relação a esta região.

Há também avanço do mercado de terras para produção de commodities e para especulação financeira, que se dá especialmente no Cerrado. Bioma com o maior índice de desmatamento no Brasil, possui 178 milhões de hectares registrados como propriedade privada e apenas 7% de sua área protegida. Entre 2000 e 2015 houve a perda de 236 mil km2 de cobertura vegetal, estimando-se que 52% do Cerrado já tenha sido degradado ou sofrido perda irreversível. O principal fator de mudança no uso da terra é a agropecuária de escala industrial – cultivo perene de grãos (como soja, milho e sorgo), cana-de-açúcar e pecuária.

Apesar de previsto na Constituição Brasileira de 1988, o debate do ordenamento territorial como política de Estado no Brasil ainda não ganhou força. Houve, em 2003, ações do Ministério da Integração Nacional, por meio da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, para pôr em marcha o Programa de Gestão da Política de Desenvolvimento Regional e Ordenamento Territorial, sendo criada uma comissão de especialistas das universidades brasileiras para uma Proposta de Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT), mas esta não progrediu.

Toma-se por referência o conceito de ordenamento territorial de Portugal, por meio de seu Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território – PNPOT, que se baseia na ideia de que um país ordenado pressupõe a interiorização do ordenamento pelo conjunto da população, dependendo não somente da vontade política e técnica. Este programa propõe estratégia e modelo territorial para Portugal 2025, a partir de quatro macroeixos de opções estratégicas: espaço sustentável e bem ordenado; economia competitiva, integrada e aberta; território equitativo em termos de desenvolvimento e bem-estar; e sociedade criativa e com sentido de cidadania.

A falta de uma política pública nacional, estabelecendo diretrizes sobre o ordenamento territorial no Brasil e considerando os aspectos citados acima, dificulta que os outros entes, dentro de suas esferas de competência, tenham diretrizes gerais para a definição, implantação, acompanhamento, ajustes e avaliação de suas políticas de uso da terra e do solo urbano. A despeito disso, alguns estados e municípios vêm discutindo e implementando políticas robustas de uso da terra e do solo urbano, por meio de zoneamentos ecológico-econômicos – ZEE e de planos diretores, ainda que estes últimos não considerem questões ambientais relevantes.

A não compreensão sobre a importância da governança territorial ambiental, social, econômica, cultural e das conexões entre o local, o regional e o macrorregional e as diretrizes no âmbito nacional, se fragiliza em ações normativas fragmentadas ou construídas por interesses setoriais. A extensão do território, sua biodiversidade natural e social e a necessidade de manter e aprimorar instrumentos de proteção e desenvolvimento sustentável, inclusive em acordos internacionais como signatário, recoloca permanentemente a necessidade de elaboração de uma política pública de ordenamento territorial para a realidade brasileira.

Diante destas considerações, uma das formas de materialidade de um olhar do uso do solo urbano e da terra mais distributivo e sustentável no Brasil poderia se dar pelo ordenamento territorial como diretriz nacional, partindo de um olhar para os 5.570 municípios brasileiros.

Certamente, esta construção deverá considerar a Agenda 2030 e o Acordo de Paris, estabelecendo o compromisso de considerar as diferenças territoriais, suas questões específicas, vocações, potencialidades, cultura local e regional, participação social, assegurando a preservação dos recursos físicos e ambientais.

Neste sentido, é de extrema importância revisitar o conceito e os princípios de ordenamento territorial no Brasil sob o enfoque do planejamento nas perspectivas social, comportamental, ambiental, das normativas e das ações que visem a transformações reais nas práticas sociais e nas políticas locais ou regionais. Este tema vem sendo objeto de estudo do projeto Ordenamento Territorial no Brasil: um estudo das ocupações e vocações do território sob o enfoque dos ODS.


[I] Pesquisadora colaboradora do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP.
[II] Pesquisadora do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.
[III] Doutora pela Faculdade de Saúde Pública da USP.
[IV] Doutorando da Faculdade de Saúde Pública da USP.
[V] Pesquisadora do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP e graduando da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
[VI] Supervisor de Pós-Doutorado do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP.