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Darwin e sociedade, complexidade nas ciências, Antropoceno e ciências sociais - Entrevista com José Eli da Veiga

por Mauro Bellesa - publicado 25/04/2025 09:00 - última modificação 10/04/2025 13:24

Em entrevista para a série 3por1, economista José Eli da Veiga fala sobre Darwin e sociedade, complexidade nas ciências e a adoção do Antropoceno pelas ciências sociais.

José Eli da Veiga - 3por1O economista José Eli da Veiga considera a teoria darwiniana uma referência para a análise de qualquer sociedade, questiona a existência de uma teoria da complexidade e afirma que o Antropoceno foi abraçado pelas ciências sociais, mesmo sem a chancela da geologia. Esses comentários estão em entrevista que concedeu para a série 3por1.

Ele é professor sênior do IEA e professor titular aposentado da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP. A formação acadêmica de Veiga ocorreu na França, de 1969 a 1979. Tornou-se doutor pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbone. É colunisa do jornal Valor Econômico e da Rádio USP. Seus livros mais recentes são "O Antropoceno e o Pensamento Econômico" (2025), "O Antropoceno de as Humanidades" (2023) e "O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra" (2019).

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Entrevista

3por1 – Professor José Eli da Veiga, a utilização da teoria evolucionista como referência para a análise dos processos econômicos capitalistas é viável também para sociedades socialistas?

JEV – Não existe sociedade socialista, então, a grande questão é se é viável para a sociedade. E aí, queria principalmente chamar a atenção para o fato de que a principal obra de Darwin não é valorizada pelos ditos darwinistas. Ele escreveu em 1871, 12 anos depois de ter escrito a obra badalada “A Origem das Espécies”, uma obra cuja tradução correta do título seria “A Filiação do Homem”, que é uma antropologia, uma antropologia darwiniana. E ela ficou completamente relegada. Os chamados darwinistas não se interessaram por isso. É muito recente que se esteja recuperando essa antropologia de Darwin para que se façam análises, principalmente das civilizações e processos evolucionários.

3por1 – Ainda que uma teoria consistente da complexidade ainda seja uma quimera, segundo vários pesquisadores, os pressupostos atuais de suas vertentes podem ser úteis para a análise da emergência de fenômenos nas ciências naturais e sociais?

JEV – Difícil dizer, porque hoje o que existe sobre a complexidade, ciência da complexidade, teoria da complexidade, o que se queira, é uma verdadeira Torre de Babel. Tem muito pouca coisa que permita você enxergar um arquipélago no meio de um grande oceano. Então, a minha tendência, depois de ter feito uma longa série de conversas aqui no IEA, 12 sessões, a conclusão a que cheguei é que é muito importante dar atenção a um livro de [Fritjof] Capra com [Pier Luigi] Luisi (um físico menos conhecido que Capra) que deveria ser mais valorizado no Brasil. Existe a tradução brasileira desde 2003. O título é “A Visão Sistêmica da Vida”. Nesse livro, eles defendem a ideia de que o que existe mesmo é uma teoria matemática da complexidade. Para que a gente evolua para teorias científicas mais avançadas etc., essa teoria matemática ajuda, mas não há ciência da complexidade como alguns gostariam que existisse.

3por1 – Além da importância para a história geológica da Terra e de ajudar a combater os negacionistas das mudanças climáticas, um possível estabelecimento do Antropoceno como a atual época geológica pode trazer outros benefícios?

JEV – É uma pena que a coisa tenha ido para o lado da geologia. Veja bem, quando nasceu a proposta de dizer o Holoceno acabou, vamos procurar entender que nós estamos no Antropoceno, nasceu de uma reunião justamente de um programa que juntava pesquisadores das geociências e da biociência. Era o Programa [Internacional] Geosfera-Biosfera. Foi ali que nasceu o que foi chamado de ciência do sistema Terra. A meu ver, seria mais correto dizer ciência do complexo Terra, porque, infelizmente, usa-se demais a expressão “sistema”, sem que isso seja um conceito. Na verdade, no caso da Terra, é óbvio que existem inúmeros sistemas e uma parte deles são sistemas complexos. Bom, o que aconteceu foi o seguinte: como a geologia tem uma tradição de ter essa coisa muito formalizada, a cronologia da história da Terra, sobrou para eles, e eles não conseguiram até agora concluir que existam de fato evidências, só que para todas as outras ciências é mais ou menos óbvio que houve uma mudança há uns 80 anos, mais ou menos. Inclusive, entre os historiadores, isso é chamado de A Grande Aceleração. Antropoceno, na verdade, é uma tese, um conceito, uma proposta que hoje independe da geologia, que é o menos importante. Ela conquistou totalmente as humanidades em geral e outras ciências. Foi um choque para todos quando os geólogos disserem “ah, não temos evidências suficientes”. Isso aconteceu no meio do ano passado.

[*] Entrevista gravada em 21 de janeiro de 2025 na sede do IEA.