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A Importância das Soluções Baseadas na Natureza como Infraestrutura Urbana

por admin - publicado 11/10/2024 12:30 - última modificação 11/10/2024 12:31

Autoras: Jaqueline Nichi e Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo

Jaqueline Nichi[I] e Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo[II]

11 de outubro de 2024

A crescente intensidade e frequência de desastres climáticos ao redor do mundo reforça a necessidade urgente de ações que possam mitigar seus impactos nas áreas urbanas. Em setembro de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou uma catástrofe climática de grandes proporções, resultando em inundações, deslizamentos de terra e ondas de calor, com enormes perdas humanas e materiais. Esse desastre é um exemplo alarmante de como as cidades brasileiras, especialmente em regiões vulneráveis, ainda não estão preparadas para enfrentar os desafios climáticos. Diante desse cenário, as Soluções Baseadas na Natureza (SbN) emergem como uma abordagem promissora para a construção de resiliência urbana.

As SbN são estratégias que utilizam processos naturais e ecossistemas para enfrentar desafios sociais, ambientais e econômicos. Conforme a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), as SbN envolvem ações de proteção, manejo sustentável e restauração de ecossistemas, promovendo benefícios mútuos para o bem-estar humano e para a biodiversidade (IUCN, 2022). Essas soluções somam benefícios associados quando implantadas, devendo ser consideradas no contexto urbano, de modo individual ou consorciada à infraestrutura tradicional, ou "cinza", para contribuir na mitigação, e principalmente, na adaptação aos impactos de desastres climáticos. Entre os exemplos de SbN aplicados em áreas urbanas estão telhados verdes, parques urbanos, jardins de chuva e a recuperação de margens de rios. Essas medidas aumentam a permeabilidade do solo, facilitando a drenagem das águas das chuvas, e reduzem a temperatura local, mitigando as ondas de calor e diminuindo o risco de deslizamentos (WRI, 2022).

A catástrofe no Rio Grande do Sul demonstrou a urgência de repensar o planejamento urbano. Como observado no caso das cidades afetadas, a urbanização sem planejamento adequado impermeabiliza grandes áreas, agrava as inundações e aumenta a vulnerabilidade das populações mais pobres, que vivem em áreas de risco. A restauração de ecossistemas naturais e a implementação de SbN podem, portanto, oferecer uma resposta resiliente e sustentável para reduzir esses riscos. Conforme destacado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), as SbN são fundamentais para enfrentar as crises globais de perda de biodiversidade, mudanças climáticas e poluição, sendo uma ferramenta essencial para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (PNUMA, 2022). Além disso, a integração de SbN com infraestrutura tradicional pode gerar um retorno econômico de até 28%, além de benefícios como a captura de carbono e o aumento da oferta de espaços verdes públicos, esse tipo de solução pode reduzir em até 88% as emissões de gases de efeito estufa nas cidades até 2050 (Coalition for Urban Transitions, 2022).

A necessidade de cidades resilientes e sustentáveis

Essas características reforçam que as SbN representam mais que uma solução ecológica, pelos serviços ecossistêmicos que agregam, mas também uma abordagem que deve ser considerada e discutida no enfrentamento dos problemas urbanos – agravados pelas mudanças climáticas, para a tornar as cidades mais sustentáveis e justas. No entanto, a aplicação dessas soluções ainda é limitada no Brasil, com poucas iniciativas integradas ao planejamento urbano de longo prazo. Algumas cidades brasileiras, como São Paulo, Santos e Campinas, já implementaram programas de jardins de chuva e recuperação de vegetação em morros e fortalecimento de corredores ecológicos, mas essas ações ainda são pontuais e carecem de escala para gerar impactos mais amplos (IUCN, 2022). As SbN também devem ser avaliadas do ponto de vista de engenharia, a partir de monitoramento com indicadores quantitativos, para garantir não somente os benefícios, mas também as funções esperadas quando comparadas com a infraestrutura cinza.

Outro desafio enfrentado pelas cidades em desenvolvimento é a implementação de infraestruturas que sejam, ao mesmo tempo, eficazes, acessíveis e justas. A infraestrutura verde, promovida pelas SbN, tem o potencial de atender a essas demandas. Ao integrar áreas verdes e práticas sustentáveis no planejamento urbano, é possível criar ambientes mais saudáveis e habitáveis para a população. Parques urbanos, por exemplo, não só melhoram a qualidade do ar e oferecem espaços de lazer, como também ajudam na absorção da água da chuva, prevenindo enchentes.

Além disso, as SbN oferecem uma boa oportunidade para promover justiça climática. Como, no geral, as comunidades vulneráveis vêm sendo as mais afetadas pelas catástrofes climáticas, é essencial que elas estejam no centro das políticas de adaptação. A criação de parques lineares e corredores ecológicos pode não apenas melhorar as condições ambientais, mas também gerar oportunidades de emprego e desenvolvimento econômico nessas áreas. No entanto, para que essas soluções sejam eficazes, é necessário que as políticas públicas se comprometam com a adoção de SbN em larga escala, integrando-as ao planejamento urbano de longo prazo e assegurando que os recursos sejam distribuídos de forma equitativa.

O Brasil está atualmente enfrentando a pior seca já registrada desde o início das medições nacionais há mais de sete décadas. Esta seca histórica, que atinge 59% do território brasileiro, tem causado impactos devastadores em diversas regiões, especialmente na Bacia Amazônica, onde rios estão atingindo níveis historicamente baixos, complicando ainda mais o combate às queimadas e afetando severamente as comunidades locais. Até o final de agosto, foram detectados mais de 65 mil focos de incêndio em todo o país com grandes impactos nos centros urbanos. As queimadas liberam poluentes que deterioram a qualidade do ar, agravando problemas respiratórios e cardiovasculares. A seca compromete a infraestrutura urbana como sistemas de esgoto e drenagem, levando a enchentes em épocas de chuva ou a falta de água, que impacta a agricultura, o funcionamento de indústrias e de serviços essenciais.

Esses desastres evidenciam a necessidade urgente de ações coordenadas e mais rigorosas para repensar as estratégias de adaptação às mudanças climáticas nas cidades brasileiras. Ao integrar essas soluções no planejamento urbano, as cidades podem se tornar mais resilientes, sustentáveis e preparadas para enfrentar os desafios climáticos do futuro.

Embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido, é evidente que as SbN oferecem múltiplos benefícios econômicos, sociais e ambientais, sendo uma peça-chave para a criação de infraestruturas urbanas adaptadas às novas realidades climáticas. O ano de 2024 com o caso do Rio Grande do Sul e da maior seca no país em 70 anos serve como um alerta, mas também como uma oportunidade de implementar mudanças estruturais que garantam a segurança e o bem-estar das populações urbanas no Brasil e no mundo.

Referências

COALITION FOR URBAN TRANSITIONS. A adoção de soluções baseadas na natureza para infraestrutura urbana. 2022. WRI Brasil. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/noticias/solucoes-baseadas-na-natureza-para-adaptacao-em-cidades-o-que-sao-e-por-que-implementa-las. Acesso em : 25 Set. 2024.

IUCN. Definição de Soluções Baseadas na Natureza e sua aplicação. 2022. União Internacional para a Conservação da Natureza. Disponível em : https://iucn.org/pt/news/south-america/202204/abordagens-integradas-e-solucoes-baseadas-na-natureza-para-a-restauracao-de-paisagens-degradadas. Acesso em : 22 Ago. 2024.

PNUMA. Relatório sobre Soluções Baseadas na Natureza e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 2022. Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Disponível em : https://wedocs.unep.org/handle/20.500.11822/40783;jsessionid=BAC5BE4F2C850389C697495E4FD82CF8. Acesso em : 22 Ago. 2024.

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[I] Pesquisadora de pós-doutorado do Centro de Síntese USP Cidades Globais do IEA. Doutora em ambiente e sociedade pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp.

[II] Professora associada do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica USP e do Programa de Mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninov. Supervisora de pós-doutorado do Centro de Síntese USP Cidades Globais do IEA-USP.