Alternativas para a Inovação em Mitigação em Cidades Médias: O Caso de Niterói
Debora Sotto[I] e Arlindo Philippi Jr.[II]
22 de julho de 2024
De acordo com o IPCC (2021), é inequívoco que as emissões produzidas por atividades humanas são a causa do aquecimento global e, se não forem drasticamente reduzidas nos próximos anos, os eventos climáticos extremos aumentarão em intensidade e frequência a cada incremento adicional da temperatura.
Com a multiplicação dos desastres climáticos, atingindo não só os países em desenvolvimento, mas também as nações desenvolvidas, constrói-se globalmente o consenso de que a resposta à crise climática passa pela necessária descarbonização da economia. Entretanto, a transição para a neutralidade de carbono tem esbarrado na baixa ambição das metas nacionais de mitigação apresentadas no âmbito do Acordo de Paris.
Destaca-se, nesse contexto, a importância da mobilização das cidades para enfrentar os efeitos e as causas das mudanças climáticas, dado que abrigam mais da metade da população mundial, consomem dois terços de toda a energia produzida no planeta e produzem mais de 70% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Nesse sentido, a Agenda 2030 das Nações Unidas destaca a importância das cidades na luta contra as mudanças climáticas, com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 (ODS11) focado em tornar as cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis.
Conforme o item 66 da Nova Agenda Urbana, a abordagem de cidade inteligente (smart city) permite aproveitar as oportunidades da digitalização, energia limpa e tecnologias inovadoras, inclusive no âmbito do transporte, para orientar o desenvolvimento urbano no sentido da sustentabilidade, oferecendo opções para que os seus habitantes façam escolhas mais ecológicas e impulsionem o crescimento econômico sustentável, bem como capacitando as cidades a melhorar a prestação de serviços.
Através da inovação e do uso de novas tecnologias, as cidades podem criar oportunidades para aumentar a eficiência no uso de recursos e reduzir emissões de GEE por meio da transição sistêmica da infraestrutura e da forma urbanas através de caminhos de desenvolvimento de baixa emissão orientados à descarbonização (IPCC, 2022).
Assim, de acordo com o Relatório "World Cities Report 2022" (ONU-Habitat, 2022), a urgência para descarbonizar a economia urbana está incentivando a convergência de tecnologias verdes e inteligentes, cabendo aos governos locais diligenciar para que os avanços tecnológicos não agravem ou criem desigualdades e impactos ambientais, mas sim propiciem melhorias na provisão de serviços públicos e nos processos de tomada de decisão.
No Brasil, em que pese o escopo de atuação municipal no setor energético seja limitado, os Municípios são legalmente competentes para desenvolver políticas locais capazes de reduzir emissões de gases de efeito estufa em setores urbanos estratégicos, tais como uso do solo, mobilidade e resíduos. Não obstante, dados do IBGE indicam que, até 2017, pouco mais de 4% dos municípios brasileiros haviam editado alguma legislação sobre adaptação e mitigação climática.
Com a edição da Lei nº 14.904/2024, aprovada pelo Congresso Nacional na esteira da tragédia climática no Rio Grande do Sul, espera-se que seja dado significativo impulso à elaboração de planos locais de adaptação, inclusive pela possibilidade de Municípios acessarem recursos do Fundo Clima para a confecção desses planos. Entretanto, é fundamental promover avanços também na elaboração de estratégias, planos e ações locais de mitigação, alinhadas às Contribuições Nacionalmente Determinadas do Governo Brasileiro e orientadas à neutralidade de carbono.
Neste contexto, enquanto instrumentos básicos da política de desenvolvimento urbano, dedicados a veicular as exigências fundamentais de ordenação da cidade, os Planos Diretores têm funcionado como portas de entrada para a inovação climática urbana. Um número crescente de Municípios tem aproveitado a oportunidade da revisão obrigatória de seus Planos Diretores para incluir, em seus textos, as bases para a oportuna estruturação e implementação de estratégias e políticas de ação climática local.
Este foi o caso do Município de Niterói, localizado no Estado do Rio de Janeiro. Com cerca de meio milhão de habitantes e notavelmente vulnerável a escorregamentos e movimentos de massa, assim como a erosão costeira e elevação do nível do mar, o Município de Niterói aprovou um novo Plano Diretor em 2019, com princípios, diretrizes e instrumentos voltados à promoção da ação climática local.
Tendo elaborado um inventário local de emissões de gases com efeito estufa, com apoio do ICLEI e do Global Covenant of Mayors, Niterói se comprometeu a alcançar emissões neutras de carbono até 2050, aderindo à iniciativa internacional Race to Zero. Em 2021, um Decreto Municipal criou a Secretaria Municipal do Clima de Niterói (SECLIMA), com a missão de formular e executar a política pública de combate às mudanças climáticas, por meio de programas e projetos de mitigação, adaptação, compensação e resiliência à mudança do clima.
No que tange especificamente à redução de emissões de gases com efeito estufa, cumpre mencionar três medidas inovadoras desenvolvidas por Niterói. O Programa Social de Neutralização de Carbono pretende conceder prêmios em moeda social aos moradores de comunidades de baixa renda que logrem alcançar objetivos de redução de emissões de carbono em suas residências.
O Programa Municipal de Certificação de Boas Práticas em Neutralização de Carbono, por sua vez, busca incentivar empresas do setor privado a adotar medidas de descarbonização, mediante ações de capacitação promovidas pela SECLIMA em parceria com a Controladoria Geral do Município. Por fim, o sistema de bicicletas compartilhadas, mantido pelo Município, além de utilizar tecnologias voltadas a reduzir emissões, permite aos usuários de baixa renda efetuar o pagamento pelo uso das bicicletas em moeda social, alinhando objetivos climáticos à inclusão social e à promoção da saúde.
O exemplo de Niterói mostra que o desenvolvimento sustentável e neutro em carbono não é privilégio apenas das grandes cidades. Cidades pequenas e médias não só podem como devem engajar-se nos esforços de descarbonização. A incorporação de novas tecnologias, a mobilização de diferentes sistemas de conhecimento e a participação em redes internacionais de cidades são estratégias promissoras para enfrentar os desafios climáticos e construir um futuro mais sustentável e equitativo.
Referências
IPCC. Summary for Policymakers. In: Masson-Delmotte, V., et al. (eds.). Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, 2021. p. 3−32.
IPCC. Summary for Policymakers. In: P.R. Shukla et al. (eds.). Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change. Contribution of Working Group III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, Cambridge, UK and New York, NY, USA. 2022.
UN-HABITAT. World Cities Report 2022. Envisaging the future of cities. Nairóbi: United Nations Human Settlements Programme (UN-Habitat), 2022.
ODS relacionados
11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis
13 – Ação contra a Mmudança Global do Clima
[I] Pesquisadora colaboradora do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP. Doutora em direito urbanístico pela PUC-SP. Advogada e procuradora do município de São Paulo.
[II] Professor titular da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Supervisor de pós-doutorado do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados IEA) da USP.