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As estratégias para uma São Paulo inteligente

por Mauro Bellesa - publicado 16/12/2016 11:45 - última modificação 27/04/2017 11:02

O Programa USP Cidades Globais realizou no dia 6 de dezembro o seminário "Cidades Inteligentes: Como São Paulo Pode se Tornar uma Delas?".
Workshop Cidades Inteligentes - Abertura - José Eduardo Krieger, Marcos Buckeridge e Fábio Kon
Abertura do workshop, com o pró-reitor de Pesquisa, José Eduardo Krieger (à esq.), e os coordenadores Marcos Buckeridge (centro) e Fábio Kon

Se é verdade que é possível melhorar aquilo que pode ser medido, como defendia o físico e matemático Lorde Kelvin, as possibilidades para a melhoria da gestão da cidade de São Paulo e da vida de sua população são inúmeras.

O processo de identificação e quantificação do que ocorre na cidade - onde e com que amplitude e frequência - é cada vez mais rápido e preciso graças aos diversos recursos das tecnologias de informação, por meio da análise de big data de serviços municipais e das informações de outras fontes, como dados de GPS e contribuições de cidadãos via redes sociais colaborativas.

Com essas informações em mãos, os órgãos municipais, a universidade e empresas de tecnologia são capazes de produzir soluções específicas para o monitoramento e melhoria dos mais diversos aspectos da vida na cidade, do tráfego de veículos ao estado das árvores, da previsão meteorológica ao atendimento na saúde pública.

Workshop

As perspectivas para que a capital paulista se beneficie desses recursos foram discutidas no workshop Cidades Inteligentes: Como São Paulo Pode se Tornar uma Delas, no dia 6 de dezembro.

O encontro integrou a série Strategic Workshops, realização da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) em parceria com o IEA e apoio da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp).

A organização foi do Programa USP Cidades Globais do IEA e do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP. Os coordenadores foram Marcos Buckeridge, coordenador do Programa USP Cidades Globais do IEA e presidente da Aciesp, e Fábio Kon, do IME-USP e coordenador-adjunto de Pesquisa para Inovação da Fapesp.

Os painéis do workshop foram: "1 - Governo e Ciência: Big Data a Serviço da Cidade”, "2 - Ciência, Planejamento e Mobilidade Urbana” e "3 - Saúde, Acessibilidade e Meio Ambiente Inteligentes na Cidade”.

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Universidade e governo

No primeiro painel, João Eduardo Ferreira, superintendente de Tecnologia da Informação (STI) da USP, expôs algumas das realizações da Universidade que demonstram sua capacitação para desenvolvimento de soluções para questões urbanas, caso da implantação de backbones na Cidade Universitária e na Escola de Artes, Ciências Humanidades (EACH), na USP Leste, para melhor uso de sensores, câmeras, wi-fi e tecnologia 4G para celulares.

Workshop Cidades Inteligentes - Painel 1 - Alexandre Calil, Roberto Marcondes Cesar Jr., Marcos Buckeridge, Daniel Annenberg e Eduardo Haddad

Painel 1 (a partir da esq.): Alexandre Calil, Roberto Marcondes, Marcos Buckeridge (moderador), Daniel Annenberg e Eduardo Haddad; Maria Teresa da Silva Arretche também falou no painel

Outra inovação destacada por Ferreira é o Campus USP, um aplicativo desenvolvido pela STI para o monitoramento de ocorrências na Universidade. Com ele, docentes, funcionários e alunos podem repassar informações diretamente à Guarda Universitária e às Prefeituras dos campi.

Como a ciência da computação pode ajudar a resolver problemas das grandes cidades e como a Fapesp apoia esse tipo de pesquisa foram os temas da apresentação de Roberto Marcondes, coordenador do Programa Fapesp de Pesquisa em eScience.

Cesar Jr. destacou a importância do desenvolvimento de sensores para a captura de dados a serem armazenados e depois visualizados e analisados por máquinas, com o resultado desse procedimento automatizado sendo entregue a analistas e formuladores de políticas públicas.

Economia

A economia é uma das áreas que podem contribuir para a formulação de políticas públicas a partir de análises de dados coletados por sistemas digitais automatizados. Eduardo Haddad, do Núcleo de Economia Regional e Urbana (Nereus) da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, explicou que o desafio é observar os dados e a teoria econômica e a partir disso produzir ferramentas, por meio da modelagem computacional e da integração metodológica.

Como exemplo, apresentou estudo sobre como a mobilidade urbana afeta a economia da cidade, onde mais tempo de viagem entre a casa e o trabalho resulta em menor produtividade do trabalhador.

Segundo ele, a maioria dos empregos está concentrada no chamado centro expandido de São Paulo, que recebe mais de 1 milhão de trabalhadores que moram em cidades próximas. Esse total representa 15% da mão de obra da Região Metropolitana da capital.

Uma visão diferenciada em relação a outros expositores do workshop sobre a participação de acadêmicos na formulação de políticas públicas foi apresentada por Maria Teresa da Silva Arretche, diretora do Centro de Estudos da Metrópole da USP.

Para ela, a capacidade dos acadêmicos é limitada quanto a isso, “pois não temos experiência de gestão, que envolve estratégias e outras ações para as quais não fomos treinados”. O papel relevante da academia nesse processo é “produzir informações qualificadas, regulares e atualizadas sistematicamente”.

A participação governamental no painel coube ao futuro secretário de Inovação e Tecnologia, Daniel Annenberg, e a Alexandre Calil, do LabProdam, laboratório de inovação vinculado à Companhia de Processamento de Dados do Município (Prodam).

Calil apresentou exemplos de soluções desenvolvidas pelo LabProdam, como o sistema automatizado de acompanhamento da fluidez do trânsito em São Paulo, capaz de medir a quantidade de veículos (por faixa de rolamento), ciclistas e pedestres em deslocamento.

Annenberg disse que o objetivo da nova secretaria a ser criada pelo prefeito eleito João Dória é fazer com que a gestão da cidade trabalhe cada vez mais com serviços eletrônicos, utilizando aplicativos, games e beneficiando-se de inovações produzidas por startups, com o fim de “simplificar” a cidade de São Paulo.

Ele afirmou que esse trabalho será feito com base no tripé governo-empresas-universidades e que um grande desafio será romper os “silos de informação” existentes em vários setores, para “abrir os dados e integrá-los”.

Planejamento

O tema da mobilidade na cidade voltou à tona no segundo painel, ao lado da questão do planejamento. Miguel Bucalem, coordenador do USP Cidades da Escola Politécnica (Poli) da USP, falou sobre como o planejamento estratégico de longo prazo pode ajudar no enfrentamento das questões de mobilidade. Exemplificou com três projetos em que esteve envolvido, sendo um deles o SP2040, desenvolvido de 2009 a 2012.

O SP2040 baseou-se em alguns eixos temáticos – entre os quais: coesão social; mobilidade e acessibilidade; e oportunidade de negócios – e alguns projetos catalizadores transversais aos eixos, “capazes de animar o plano no longo prazo”.

Workshop Cidades Inteligentes - Painel 2 -  A partir da esq.: Roberto Speicys, Fágio Kon, Claudio Barbieri da Cunha e Miguel Bucalem

A partir da esq., Roberto Speicys, Fábio Kon (moderador), Claudio Barbieri da Cunha e Miguel Bucalem, expositores do Painel 2, que teve também a participação de Nabil Bonduki

Uma das recomendações do projeto é a concepção de uma cidade compacta e policêntrica para São Paulo. “Essa ideia já tem algum tempo, já estava no Plano Diretor de 2002 e foi reforçada tanto pelo SP2040 quanto pela recente revisão do Plano Diretor.”

Transporte de cargas

Claudio Barbiere da Cunha, da Poli-USP e do IEA, apresentou os trabalhos de seu grupo sobre o transporte de cargas e passageiros em São Paulo.

Segundo ele, as restrições de circulação e estacionamento de caminhões na cidade levaram à grande utilização de veículos utilitários pequenos, com o aumento da emissão de poluentes. Para propor uma alternativa a essas restrições, o grupo realizou pesquisa em parceria com o MIT, dos EUA, baseada em teste feito em Nova York.

Foram utilizados os dados de GPS dos caminhões. Constatou-se que durante a madrugada os caminhões trafegam com o dobro da velocidade nas vias normais da cidade e mais rápido nas Marginais [a pesquisa foi feita antes da redução da velocidade máxima nelas]). Verificou-se também que o tráfego de caminhões é bastante reduzido nas segundas-feiras. As indicações do projeto foram, portanto, aumentar o uso dos caminhões nas segundas-feiras e incentivar o tráfego durante a madrugada.

Transporte de passageiros

O grupo de Cunha também faz pesquisas sobre o deslocamento de pessoas no Metrô e nos trens da CPTM com base nos registros eletrônicos do bilhete único, sobre a eficiências das faixas exclusivas para o aumento da velocidade dos ônibus e desenvolve um rastreador mais preciso de caminhões via GPS, capaz de estimar as emissões de poluentes dos veículos.

A melhoria do transporte urbano também foi tema da exposição de Roberto Speicys, de uma startup criada por dois ex-alunos da USP. Ele apresentou algumas ferramentas desenvolvidas pela empresa para o monitoramento e melhoria do sistema de ônibus da cidade. Uma delas destina-se a avaliar o funcionamento das 130 linhas de ônibus mais lentas da cidade e dessa forma fornecer subsídios para a criação de faixas exclusivas e corredores para os coletivos.

Os passageiros também são fonte importante de dados em sistemas produzidos pela empresa, pois podem abastecer de informações um aplicativo de celular cooperativo, no qual podem ter informações sobre a previsão de chegada dos ônibus e registar o tempo real de espera. Com esses dados, é possível contabilizar o total do tempo de espera na cidade num aplicativo chamado Esperômetro, o que permite, entre outras coisas, estimar o prejuízo econômico da cidade por causa da demora dos coletivos.

Workshop Cidades Inteligentes - Painel 3 - Adriana Lippi, Fabio Feldmann, Maria Assunção Faus da Silva Dias e Paulo Saldiva
Participantes do Painel 3 (a partir da esq.): Adriana Lippi, Fábio Feldmann (moderador), Maria Assunção Faus da Silva Dias e Paulo Saldiva

Meio ambiente

Para o moderador do Painel 3, o consultor e ambientalista Fábio Feldmann, a área de meio ambiente da metrópole deveria ser analisada a partir de uma visão holística. Citou como exemplo dessa abordagem a implantação do rodízio de veículos na cidade a partir de 1996, quando era secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo: "Conheci o trabalho do professor Paulo Saldiva sobre o impacto da poluição na saúde das pessoas e resolvemos implantar o rodízio."

Para ele, com as tecnologias disponíveis seria possível monitorar às áreas sujeitas a invasões, "mas o poder público é omisso." Outra possibilidade é a instalação de sensores em vários pontos da cidade para a medição imediata das emissões dos veículos. O grande desafio, segundo ele, é fazer com que a "administração pública saia do padrão de modernização atual, que ainda é o da máquina de escrever elétrica".

Saúde

O diretor do IEA, Paulo Saldiva, citado por Feldmann, também participou do painel. Ele apresentou dados sobre os efeitos da poluição atmosférica na saúde da população, uma de suas áreas de pesquisa, e comentou o interesse internacional na busca de soluções que melhorem a qualidade de vida das grandes cidades. Destacou os dossiês recentemente publicados pelas revistas interdisciplinares "Science" e "Nature" e a chamada de artigos da revista da área médica "Lancet".

Entre as universidades de todo o mundo, a USP é a quarta colocada na quantidade de trabalhos sobre cidades, segundo Saldiva. "O desafio é como analisar os problemas urbanos sob vários enfoques e integrá-los. É preciso construir um prédio a partir desses tijolos de conhecimento". Para ele, essa tarefa deve ser desempenhada pelas ciências humanas.

A desigualdade na saúde das pessoas não é um problema só de cidades de países em desenvolvimento, como no caso de São Paulo, mas também atinge grandes cidades de países desenvolvidos, afirmou. "Um estudo sobre a expectativa de vida ao longo das linhas de metrô de Londres indicou que há áreas onde ela ultrapassa 90 anos e outras onde cai para 79 anos." Essa variação está relacionada a vários fatores, como o tempo disponível para dormir e a exposição à poluição, explicou Saldiva.

Ao falar sobre o uso de tecnologias da informação na saúde, ele disse que aplicativos para celular poderiam mensurar vários problemas, como o tempo de espera para ser atendido num posto de saúde, a existência ou não de especialista, prazo para realização de um exame, entre outros dados.

Clima

A importância das tecnologias computacionais para à previsão meteorológica e mensuração de poluentes atmosféricos das cidades foi o tema da exposição de Maria Assunção Faus da Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.

Segundo ela, os modelos numéricos para previsão de chuva definem grades com até 20 quilômetros de altura e levam em consideração as ilhas de calor, os "canyons" criados pelos edifícios, as emissões de poluentes e outros fatores. "É preciso fazer 'rodar' o modelo num conjunto de mil a dois mil processadores para se poder prever a chuva com antecedência."

Um recurso para essa utilizado em Londres e Tóquio mais ainda muito pouco aplicado no Brasil é o que se vale de redes neurais, "capaz de distinguir as características da chuva em pontos distintos de uma cidade", explicou Maria Assunção.

No caso de São Paulo, informou, há também uma rede de radares meteorológicos estabelecida no Instituto de Física (IF), na Cidade Universitária, e na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), na Zona Leste, capaz de em cinco minutos atingir o grau de definição de um quarteirão e dizer se lá está chovendo ou não.

Com a intensificação das variações climáticas, a solução, segundo ela, é o que os meteorologistas chamam de nowcasting, que pode ser determinística (quando procura especificar o que vai acontecer) ou probabilística (que informa, por exemplo, o percentual de chances de chuva em determinado horário).

"Tudo tem que ser muito rápido, a coleta de dados, o processamento dos modelos e as técnicas de análise, e o resultado disso tem de levar a uma ação que coloque a sociedade pronta para agir. Num cenário assim, o smartphone é o grande herói."

O painel também teve a participação de Adriana Lippi, de uma startup que desenvolveu um aplicativo para monitoramento das condições das árvores de São Paulo por meio de informações registrados pelos cidadãos. A intenção é negociar com a Prefeitura de São Paulo para que as informações sejam repassadas ao Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC), para as devidas providências e maior transparência, com as pessoas podendo acompanhar as medidas tomadas em função dos riscos registrados no aplicativo.

Laboratório

Um resultado imediato do workshop foi a ideia de criação na USP de um laboratório para o desenvolvimento de aplicativos urbanos. Pela proposta, pensada por Buckeridge e apresentada por Saldiva durante sua exposição, o laboratório deve funcionar em instalações cedidas pelo IEA e no âmbito do programa USP Cidades Globais, em parceria com outros programas e projetos da Universidade.

Fotos: Leonor Calazans/IEA-USP